quarta-feira, 6 de julho de 2011

história ás avessas

Nasci no momento mais pobre de minha família, quando o leite precisava ser importado da Holanda, até hoje me pergunto se só por coincidência. Adentrei na escola e precisei ter as melhores notas pra que os colegas e professores me notassem, pois todas as outras tentativas foram em vão. Parecia que o mundo tentava aos poucos me explicar que o Peu de casa, o Teco da tia e o Dandinho da vovó não lhe interessava, se fosse pra simples sê-lo, antes não nascesse.
Os anos se passavam e os aniversários nunca tinham a festa desejada, nem os presentes que as outras crianças recebiam. Nem mesmo dividindo a mesma festa, mesmo bolo e mesmos convidados consegui me igualar com outra criança. Os presentes na mesa pendiam para um lado, o da outra criança. Imaginava que os convidados tivessem que escolher entre que criança presentear e, por coincidência, o escolhido era o outro. Um único convidado não poderia fazer outra escolha, a tia-mãe, que tinha todo o espaço de presentes para o shortinho azul com que havia me presenteado... tão amado shortinho. Os anos continuaram passando, as histórias se repetindo, cada vez mais parecidas, e era uma criança feliz que protagonizava tudo, não sofria com os fatos, apenas queria vivê-los como as outras crianças.
As festas infantis ficaram pra trás, o líder escolar continuava. Não me preocupava em estar em destaque, nem era essa a minha meta, mas entre ser um nada e um notável, quem faria diferente escolha?
Tudo parecia sob controle entre os estudos e amigos, até que surge o reino dos amores platônicos, onde tive coroa. Só depois dos dezenove anos pude disfrutar as honras dos amores correspondidos. Honras de rei, isso é verdade, pude saborear dos meus mais altos desejos, que julgara não merecer. Dispenso dizer que as batalhas vencidas me colocavam como aluno destaque da faculdade, jovem profissional promissor, “menina dos olhos” da docência. Uma situação de vantagem para alguns, bom partido para outros.
Um relato que parece ser de vitórias tristes e amargas, sem tentativas de mudança. Asseguro que narro uma história feliz, de muitos aprendizados e conquistas. Muitas vezes tentei caminhar por novas trilhas, mas não me levaram a lugar algum a não ser de volta pro meu caminho, pra minha missão.
Depois de quase um quarto de século aprendendo a levantar a cabeça para que os outros a enxergasse, aprendo a abaixá-la para poder passar. Lição dada a força por um rapaz de olhos grandes e fugidios que resolve meu caminho atravessar e me convencer em segui-lo. Mesmo aplicando-me tal encantamento, não se mostra disposto em ser seguido, obrigando-me a seguir até que se acostumasse e acolhesse seu seguidor. Eis que hoje o sigo, mesmo que tropece.

Um comentário:

  1. que bonito anso! Como é bom te conhecer...
    vc é um "menino dos olhos de todos" !!! bela escrita...

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